Fui dormir quase 5h da manhã com muita raiva e acordei magoado. Por mais que eu me prive do contato com o mundo exterior, ele vem até mim e bate na minha cara.
A ansiedade é tanta que tomei um Rivotril. Impressionante como esse remédio tem a capacidade de me transformar de um hamster louco na rodinha para um zumbi adormecido.
O complexo de falar de si é que em algum momento o assunto esbarra no outro. Se expor significa sempre mostrar um pouco da própria história, que é preenchida por uma infinidade de pessoas que não se sentem a vontade com a exposição. Mês passado por exemplo, participei de uma exposição aqui mesmo na galeria, que tinha como tema o "Autorretrato". Algumas obras minhas diziam mais sobre as pessoas ao meu redor do que sobre um "eu" individualizado. Tem também quem expõe aquilo sobre si que lhe agrada. Já eu, acho que gosto de ficar arrancando as casquinhas das feridas. Nenhuma obra de arte minha que faça eu me sentir pleno é algo simplesmente agradável. Já vivemos nesse mundo do que é estético, agradável, bonito, educado e polido. Minha arte não pode ter essa função. Ela não é apenas a vida bonita. Tem que incomodar a vida. Fazer parar a vida, por alguns instantes ao menos. Arte bonita vira decoração de sala de espera de consultório odontológico. Eu já sou dentista, por que ia querer que um dos meus trabalhos fosse decorado pelo outro? Consultório, sala de espera, coisas chatas. E tem um peso, uma densidade. Pensando nisso, minha pesquisa artística não cabe no consultório.
Existem 40 focos de luz no teto da galeria. Apenas 29 estão funcionando. 11 coisas penduradas, inuteis. 12, se contar comigo. Mas eu não tô no teto.
É dificil encontrar pessoas interessantes. O que é ser interessante? É enxergar a vida de forma diferente? É fazer coisas diferentes? É ouvir música diferente? Ter viajado o mundo? Saber falar 5 línguas, fluentemente? É se trancar na galeria, ficar 7 dias e chamar isso de arte ? Que juízo de valor é esse que privilegia as pessoas pelas oportunidades que elas têm? De estudar, "se esclarecer sobre a vida". Quando buscamos pessoas "interessantes" para nos relacionarmos, parece que estamos sendo tão padronizados. Corpo, cabelo, música, ambições, currículo profissional, salário, pensamento político, gosto alimentício... É fácil querer o semelhante por perto. "hoje vamos no sushi, topa?" "opa, faz dias que espero por isso". Não parece fácil? Gostoso? Mas e quando essas pessoas tem também os seus defeitos? É fácil observar os defeitos dos outros. Quando você nãos os têm. Mas que dolorido é ver que o outro é podre como você, todos no mesmo lugarzinho. É quase como se você sentisse ciúmes daquele defeito: "por que você está usando o MEU defeito? Pare já, me devolva e vá brincar com os seus". Ainda estamos falando da pessoa interessante? Então ela causa raiva? Na verdade acho que ela causa tudo. Acho que a próxima pessoa que entrar aqui, vou perguntar: como é uma pessoa interessante? Espero que seja o pessoal da limpeza.
É "engraçado" tomar Rivotril e vir escrever alucinadamente. A ansiedade inicial se transforma em um canal de palavras. Antes eu estava com dor, aperto, angústia, vontade de sumir. Agora toda essa ansiedade se tornou pensamentos expulsos por uma mão frenética e uma caneta. Parece muito fácil voltar ao estágio inicial. Por isso estou escrevendo sem parar, pois voltar aos pensamentos iniciais faz acelerar o coração, voltar o aperto no peito, desânimo com a vida.
Certeza que hoje receberei visitas de classes inteiras da escola do SESC. No meu estado, serão pequenas mortes. Educação enquanto forma de relação social é um eufemismo para a mentira. Sem ela, as pessoas não manteriam suas relações superficiais.
Manipular e ser manipulado. É sob essa prática que vivemos. Algumas pessoas tem noção dessa manipulação. Minha mãe acaba de vir me visitar. Menti dizendo que estava tudo ótimo. Era uma vez um pintinho sem cu. Um dia, foi peidar e explodiu. Para outras pessoas, a palavra "manipulação" tem um caráter tão perjorativo. Mas ninguém assume. Dói assumir qualquer coisa. Viver no padrão hipócrita é mais confortável. Procurar aceitar as coisas como elas são parece quase impossível. Como seria possível, se ninguém se conhece? Acho a psicologia problemática. Tudo bem escolhe-se o que resolver, mas se entender totalmente talvez seja o caminho. O caminho que ninguém parece ter visto a placa, durante toda a vida. Me parece é que não tem como sair vivo ou com sanidade mental. O choque pode afetar o coração físico. Machucar a alma. Entupir vasos sanguíneos. Mas é o que eu mais queria na vida. A verdade sobre mim. A verdade sobre o que influenciou a minha formação humana psicológica. eu escolhi a verdade e espero que enlouqueça saudavelmente com ela. O primeiro passo para isso talvez seja eu parar de mentir. Então, o que fazer? Não mentir de agora em diante? Contar mentiras do passado? Terem alguém perto de mim se for muito sincero? Apesar da vontade de exercitar isso, a sociedade não me permite. Por exemplo: eu amo meu namorado. Segundo as regras da sociedade, eu preciso estar com ele sempre que puder. Eu não concordo. Acho que preciso não estar com ele também. Existe uma confusão de acharem que eu passo dias sem ele, portanto o tempo que tenho é pra aproveitar. Mas nesse tempo que estou sem ele, nem comigo eu estou. Parece que não existe apenas "Filipe". Quando sair daqui, logicamente vou querer vê-lo. Mas também quero term-me. É raro ter-me. E é bom. É necessário. Sinto como se me odiasse por não sair sozinho. Adoro ir ao cinema sozinho. Não é hipócrita. É o tipo de ação totalmente solitária. Daí voltamos para o que a sociedade considera bom ou ruim. Ser solitário apenas é. O juízo colocado é uma imposição social. Meu namorado adora ir à praia aqui em Palmas. Geralmente eu odeio. O que ele gosta de fazer lá é tomar tereré. Uma atividade quase íntima. Isso ao por do sol. Segundo o meu juízo de valor, essa ação, estando sozinho, me parece tão digna e sincera. Linda, etérea. Daí eu venho me perguntar: por que o outro importa tanto? Pior: o outro que importa é o outro desconhecido.
Tenho medo da palavra "obrigação". Principalmente se ela se referir a mim. Obrigação é o tipo de coisa que não agrada a ninguém. "Ah, mas eu adoro ser útil, servir, blablabla..." Tá! Entre obrigação e diversão... Observe uma atividade divertida se tornar obrigação na vida de uma pessoa. Trabalhar na loja de doces. Nas (quase extintas) locadoras de vídeo. No parque de diversões. Ok você dizer que se diverte no trabalho, mas é nas suas atividades de entretenimento que a vida é mais leve. É assim que eu sinto sendo uma obrigação para alguém. A perda de tudo o que é bom. Apenas um fardo.
A irresponsabilidade é um conceito totalmente atrelado ao contexto social em que se está sendo usado. Assim como o amor, a lealdade, a verdade. Eu tenho muita raiva desses conceitos na nossa sociedade. Raiva de como eles me afetam. Passamos a vida toda sendo segundo uma linha de pensamento, mas a prática humana sempre nos mostra divergências. E então a gente sofre. Como a gente sofre. A coisa é tão absurda que apenas bate a vontade de esperar a vida passar como uma velhinha, vendo a vida passar através da janela. E esperar que na próxima vida (torcendo muito que essa crença seja verdade) a sociedade esteja menos hipócrita. E eu próprio possa ser criado sem toda a hipocrisia que me circula e me define.
Releio o que escrevo e percebo como minha escrita é problemática. Dificuldade em me expressar falando, escrevendo, cantando, criando arte. Talvez a graça disso tudo é a falha. Existe o pensamento de que a falha te faz melhorar. Mas e quando ela é o ponto final? Sem esse papo xuxesco de que tudo pode ser, basta acreditar. Algumas pessoas simplesmente não nascem para determinadas coisas. Podem até tentar desenvolver, mas tudo se torna técnica fria. Será que o orgânico (contrário a essa técnica) realmente existe? Ou somos todos pequenos (ou grandes) depósitos de informação? Animais treinados para X ou Y função. É triste pensar no homem assim. Seres desprovidos de subjetividade, coisa inventada por gente maluca e sem propósito que acabou jogando sua teoria no ramo da abstração. Será que somos assim tão primitivos? Em uma realidade de apenas ação e nenhum sentimento?
Acho que preciso de mais Rivotril.
Perdão é uma coisa absurda. De acordo com a ideia estabelecida, é como esquecer uma falha alheia. A não ser por alguma deficiência física que afete a memória, ninguém anda esquecendo a cagada que te fizeram. É aquele velho papo de que até uma piscada altera todo o universo. Um erro alheio altera e reorganiza toda uma relação. O estar ou não arrependido, o nível do erro, a forma como o lesado se relaciona com a situação. Então o perdão parece ser uma utopia judaico-cristã. Daí também nos deparamos com o que é o erro. Talvez acerto/erro seja um pensamento arcaico. Talvez pensar no que afeta positivamente ou negativamente. Porque, em comunidade, tudo afeta, muda-se apenas a importância desse afetar. Eu, particularmente, sou muito mais sensível ao afetar negativamente. Sim, é triste, mas é a minha realidade. Talvez as experiências negativas tenham ditado as regras da minha formação.
Sair da galeria sempre me parece uma atitude errada. Mesmo sabendo que estou com com necessidade de ir ao banheiro, tomar banho e coisas do gênero. A culpa parece ser um regulador. Não que necessitemos desse tipo de regulação. Mas ela gera ansiedade. Um mal generalizado. Enfim...
Com toda essa ansiedade gerada e quase nenhuma válvula de escape, acabei por começar a interferir nos objetos, algumas experimentações, que acabaram por refletir o meu ânimo.
Dez páginas escritas até agora.
Eu nunca escrevi tanta idiotice de uma vez só.