quinta-feira, 18 de julho de 2013

Diário de bordo - Último dia (12/04)

São tantas pessoas que vem me visitar que começo a me perguntar de onde eu as conheço. Certamente, depois de passar essa semana vou ser mais cumprimentado do que nunca. Me sinto em dívida eterna com essas pessoas, pois acho injusto não conhecê-las como elas me conhecem. Existe uma glamourização do trabalho do artista, sua vida, sua existência que seja. Me vejo apenas como que dá um pouco mais de ouvidos a uma poeticidade. Alguém que está encolhendo, por isso se sente obrigado a deixar rastros, para que no dia que eu for microscópico, sigam as pistas do caminho para me achar novamente. 

Eu comparo tudo. Tudo. Essa é uma atitude que quase sempre me deprime. Principalmente quando me comparo com alguém/algo. A maioria das comparações são desnecessárias. Me coloco um rótulo, com valores quase sempre abaixo do "normal". Então, rotulo o outro e lio, como se procurasse qual faz mais mal a saúde. Quase sempre eu. 

Faltam alguns minutos para acabar. Para o público está tudo ok. Pra mim não está pronto. Nunca está pronto. Estou me sentindo esgotado. Acho que por quase nada eu já irei me acabar de chorar. Talvez seja necessário.

Daqui 34 minutos um turbilhão de coisas começará a me atingir. É assim que eu me sinto em relação a movimentação da minha vida. Um turbilhão. Que optei por entrar. E não me arrependo. Não me arrependo de ter parado por uma semana. Nem das vezes que quebrei o protocolo.

E sim, minha letra é péssima.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Diário de bordo - Sétimo dia (11/04)

Contando pelo número de horas aqui dentro, ainda estou no 6º dia. Logo na segunda linha já começo a escrever torto. Ansiedade.  Tudo hoje vai ser desculpa pra ansiedade. Estou com medo desse dia.

É horrível passar o dia com uma câmera que mostra sua cara o tempo todo. Todos as caretas, trejeitos, olhares, espirros, jeito de andar, de comer, de falar com o corpo. Pouco sabemos sobre como o corpo se porta, que capacidades ele tem. Que fragilidades. É cansativo olhar-se.

Nenhuma verdade deveria ser considerada absoluta. Vejamos como verdades absolutas são pontos finais que fazem das pessoas verdadeiros soldados em guerra, defensores de uma teoria, de forma a desrespeitar a crença alheia. Bíblia, ciência, metafísica em geral. Cada uma com sua forma de se estabelecer enquanto verdade e desrespeitando grosseiramente as outras verdades. Situação micro: duas pessoas detentoras da verdade. Sem criarem espaço para que a verdade alheia se torne meramente discutível e a sua seja questionável. Vejo no que a minha geração se tornou, pessoas totalmente intolerantes. Preconceitos com roupa, cabelo, gosto musical, pobreza, sexismo, homofobia, tudo sendo analisado com critérios saídos diretamente do seu umbigo. Já faz algum tempo que percebo isso e  juro, tento não ser igual. Algumas pessoas apenas não tem a chance de sair do pequeno planeta. Outras não, são pequenos príncipes que não pegam o rabo do cometa para ampliar seu mundo, a rosa já está suficiente. Mas provavelmente esse assunto tenha várias outras camadas, que não estão ao meu alcance intelectual discutir. 

Vou voltar a falar do assunto anterior. É uma coisa que me irrita muito. Em tempos de tanta pluralidade cultural e liberdade, vem uma leva de tonta ditar regras? Em tempos de discussão sobre bullying, o que essas pessoas fazem é apenas perpetuá-lo. Bem aquela coisa da pedagogia do oprimido, pessoas antes vítimas de opressão se sentindo no direito de oprimir.

Ler tudo isso deve dar a impressão de que sou um cabeção ou apenas um noiado. Talvez todas as reflexões aqui escritas sejam frutos apenas do tempo que tenho para refletir. Ao contrário do que parece para quem me lê, refletir sobre a minha vida sempre foi um ato raro. A falta de tempo e de disposição, principalmente. Como é fácil assumir o tal do controle da e vida e colocar no canal "Tá tudo bem agora". Só olhamos para um espelho quando queremos ou nos tornar mais apresentáveis ou para admirar o nosso bem estar estético. Sim, para ver que estamos lindos. Espelho não é pra ver feiura. E é difícil olhar para o que é feio em si. Pernas finas? Calças compridas. Rosto manchado? Maquiagem. Barriguinha? Modelador corporal. Sempre cobrindo e fingindo que não existe. E quando o "defeito" é interno? Se descobrir a pessoa mais egoísta do mundo. Não saber olhar para o outro e ter empatia. Felicidade ser um sentimento que parece se referir ao próprio umbigo. Ser tão mimado ao ponto de passar um bocado da fase da infância e mesmo assim se comportar como uma criança de 3 anos que não sabe ouvir um não. E isso sou eu. É você. É um modo de vida que tem se estabelecido culturalmente. 

Escrevi o projeto dessa performance há vários meses. Muitos pensamentos e expectativas sobre ela foram engolidos pela enorme quantidade de ações do cotidiano. Uma em especial perdurou. Para entender melhor do que estou falando, talvez seria melhor ler o protocolo da performance, caso não tenha lido (que se encontra no enorme adesivo de parede acima do livro de assinaturas, caso esteja lendo isso no próprio caderno; na primeira postagem, caso esteja lendo no blog). Eis a lembrança. Pensava eu que, ao receber objetos/materiais das pessoas, iria olhar, olhar e olhar para aquilo tudo, entrar em pânico e não fazer nada. Faria apenas uma bagunça de coisas no chão, de forma totalmente aleatória e, por fim, perpetuaria os preconceitos sobre o trabalho do Allan Kaprow, usando como referência para algo que seria um mero acaso de objetos agrupados. Hoje sinto que o meu trabalho aqui seja resultado de um mergulho em mim. Ontem me pediram para resumir em uma palavra a experiência. Falei: autoconhecimento. Assim, bem BBB. Clichêzão. Não que agora eu saiba tudo sobre mim, creio estar bem claro quanta confusão tem se instaurado na minha cabeça desde que entrei nessa. Talvez o autoconhecimento seja um pequeno esclarecimento sobre o quão confuso se pode ser. Parar a própria vida, indo em direção ao ócio quase que completo acaba por te obrigar a conviver consigo. Como disse em alguma das páginas anteriores, é difícil ficar a sós e em convivência consigo mesmo. Estar sozinho não é suficiente. Precisamos querer ter esse diálogo. E, talvez o mais importante, sermos sinceros. Mentir para si mesmo parece ser uma prática diária. Como é bem aceita a mentira para si. E assim vamos nos distanciando dos próprios pensamentos, sentimentos, vontades, desgostos. Por isso acho que não sei quem sou. É tanta mentira que se transforma em verdade que me perdi da verdade primária. É claro que isso é condicionado por uma situação cultural, blábláblá, todo um papo antropológico que, apesar de ser muito pertinente, não vai ser discutido aqui. 

O dia não passa. As horas não passam. Uma angústia...

Estou buscando frases escritas aqui para compor a instalação. Algumas gritam para serem usadas.

"Bem depressivo esse trabalho, né?", disse o mocinho que veio me visitar. Falar de si pode ser bem deprimente.

Fiz muita coisa hoje na galeria, passei muito tempo longe desse caderninho. Até criei a ilusão de que não tinha escrito quase nada durante todo o dia.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Diário de bordo - Sexto dia (10/04)

Se passaram 5 dias e a minha produção foi quase nula. Creio que já tenho materiais suficientes para realizar a ação proposta e até sobrar. Alguns materiais eu realmente não tenho ideia do que fazer. Timidamente, as ideias vão se estruturando. Vejo que sinto vontade de escrever pela obra. Das poucas coisas que fiz, a escrita é o ponto em comum. Acho que a obra da Thaíse Nardim na exposição anterior me afetou. Ontem me falaram que sou facilmente manipulável. Nem preciso pensar muito pra achar verdade nessa afirmação. Uma massinha de modelar, quem põe o dedo a transforma. Não consigo imaginar isso como algo bom ou ruim. Apenas é assim. A situação presente. Ao se aceitar certas coisas, acaba por gerar algumas confusões na minha cabeça. 

Várias vezes nesse diário tenho revisto coisas e "entendido" que elas apenas "são". Em outro momento, rejeitei a aceitação de situações e a inércia embutida. Meio paradoxal. Se rejeito não há aceitação, mandando toda a minha verborragia ralo abaixo. Qual seria a linha que divide tais espaços? Talvez pensar em trocar a palavra "aceitar" pela "entender"? Quando se entende, quer dizer que se refletiu sobre algo. Talvez esse refletir que dê a resposta sobre aceitação ou rejeição.

Me incomodo em ser condicionado. Frase confusa e quase sem lógica. O que quero dizer é: todas as minhas travas, recalques, traumas e coisas que nem imagino existir. Gostaria de ter uma clareza sobre elas em mim. Quando se faz terapia, a gente acaba entendendo isso ou aquilo sobre determinados aspectos. Mas eu queria entender tudo. Isso me faz lembrar de um conto em que uma pessoa pede para que outra, com poderes psíquicos, transfira-os para si. Ao transmitir, a primeira pessoa acaba morrendo por não suportar a carga do poder.

Me sinto como uma criança. no alto de sua irresponsabilidade, com uma toalha amarrada no pescoço como uma capa, querendo por tudo que os poderes apareçam. Sem a mínima noção da responsabilidade de tê-los e do que fazer com eles caso os adquira. Talvez seja a graça de querer o impossível: não se preocupar com as responsabilidades, só com o prazer.

Preciso fazer uma pergunta pra Eliene.

As crianças de hoje ainda querem superpoderes? Talvez  o meu discurso ali esteja ultrapassado.

Abstração. Assumir a abstração. Não pensar. Agir. Sentir. O coração vai batendo. Pulsação. Ritmo. Independente da vontade, apenas acontece. Sinta. Aja. Não pense. Assuma a abstração, apenas. 

Já tenho duas paredes da galeria definidas. 

Opinião formada. Um problema quando se vai discutir ideias.

Eu necessito acreditar em subjetividade. Como seria ser artista sem subjetividade? Eu preciso ter essa crença respeitada?

Gostaria de receber a visita de algumas pessoas que melhor não citar o nome para não interferir. Pessoas com quem poderia discutir sobre tudo o que tenho questionado. Pessoas que não têm a resposta. Que conversariam comigo e me deixariam mais confuso.

Parece que tudo aqui nesse texto é irrelevante, nada pertinente a proposta de um diário de bordo. Existe alguma regra pra isso? ABNT? Macete? Enfim, a eterna busca pelo erro próprio. 

Termino uma parte da obra. Minimalismo. Certeza, Filipe? Com tanto material para usar, ser minimalista...

Uma ansiedade diferente está me afetando. Do tipo que quer que o dia ou a noite passe rápido. A noite está insuportável. Quero dormir logo mas não tenho sono. Queria que entrassem no chat, mas fiquei abandonado o dia todo. Acho que mereço um Rivo.

Nada mais parece me distrair. Nem mesmo quebrar o protocolo.

240 quadradinhos.

16 x 3 = 48

70

46

57 inteiros.

79 partidos.

Cinco.


Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.

Cinco.


Cinco.

Cinco.

Cinco.

Não passa!

Primeira vez que produzo durante a noite. Ansiedade.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Diário de bordo - Quinto dia (09/04)

Quando estava do lado de fora ainda, super ansioso com o que seria, uma amiga me falou: eu tenho é inveja de você, que vai passar uma semana longe desse mundo horrível. O problema é que eu ainda estou lá. Minha vida, meus problemas, vontades, obrigações, raivas, felicidades, mágoas, lembranças. Algo que sempre ouço é sobre a concentração de atores e performers durante suas apresentações. O treino na faculdade me fez melhorar em alguns aspectos, mas em uma semana se perde não só o foco, mas o equilíbrio emocional e fisiológico. Para alguém naturalmente desatento, qualquer cisco no chão pode ser usado como desculpa. 

Me sinto muito burro. Performo, falo, escrevo, pisco que seja, mas parece que sempre erro nos signos a se utilizar e assim se chegar em uma interpretação. Para alguém que trabalha com semiótica, eu deveria entender o mundo? Ou uma forma particular de transmissão de ideias é uma situação aceitável? Não seria burrice, então? Talvez seja um caso interessante de se olhar de fora: uma pessoa (dentre várias iguais, acredito eu) que v~e o mundo de tal forma que não consegue se comunicar com os outros. Leio isso e me sinto ridículo. 

Doei o jantar de ontem. Tive uma situação de tensão momentos antes. No final, olhei para o sanduíche e me senti como Neuza Sueli. Para quem não conhece a referência, trata-se de um texto teatral escrito por Plínio Marcos, intitulado Navalha na Carne. Neuza é uma prostituta, mora em uma especie de cortiço, tendo Veludo (um gay) como vizinho. Também tem uma espécie de cafetão/namorado. Toda a trama se passa nesse lugar. Tudo gira em torno de algo que foi roubado, dando lugar a um homem que não respeita a mulher, o gay, dinheiro e drogas incluídas no assunto. Resumidamente, os três personagens discutem durante o texto inteiro, Veludo sai, o cafetão/namorado humillha mais, usando inclusive de violência física. Depois de expor as desgraças da vida de uma puta que vive na miséria e ser deixada só por ele, Neuza pega um saco de pão e come um, com mortadela. Não que eu tenha passado por algo remotamente parecido, mas sobre o que é a vida de Neuza. Ela apenas aceita e come. Eu não como. Eu não me conformo. Se conformar é reconhecer a impotência e inércia. E inércia me deixa em total estado de ansiedade. Talvez eu tenha entrado em uma viagem totalmente errônea. 

Testando caneta 1.

Testando caneta 2.

A caneta 2 marca mais a página.

Por duas vezes quebrei o protocolo hoje. Minha vida lá fora está gritando, se retorcendo, agonizando.

Não acredito em pessoas que dizem que a raiva as transformam em outras pessoas. Essa coisa de Hulk, que dispara uma coisa, você fica verde, quebra tudo, grita, diz o que não deve. No máximo perde o traquejo social para se falar e agir. Na verdade, acho que a raiva torna todo mundo cruelmente sincero. Mas a única certeza que tenho é sobre minha experiência. Creio que cada insulto proferido por mim seja fruto de uma sinceridade que ultrapassa as habilidades sociais necessárias  para a convivência humana. Por isso considero qualquer coisa que me falam quando estão com raiva como verdadeira.

Hoje não ganhei quase nada, em comparação com os outros dias.

Lendo e transcrevendo as coisas que escrevi, descobri (na verdade já sabia) que não sei mais usar vírgulas. 

Acabo de redescobrir que "tem" se usa quando o sujeito está no singular; e "têm" se usa quando o sujeito está no plural ou é composto.

Toda ação minha sempre vem carregada de um sentimento de culpa. Como se a própria existência fosse um pecado. Toda a minha vida em família  é acompanhada dessa palavra. O cristianismo tem o amor em foco? Não! Tudo se baseia na punição. É inferno, lago de fogo, sofrimento eterno, choro e ranger de dentes. Ninguém parece focar em como será bom morrer e ir pro céu, mas no medo de ir pro inferno. Se Deus realmente existe, deve estar é muito puto de toda a sua criação humana ter muito mais medo de um simples anjo caído, que tem os seguidores mais patéticos, do que vontade de aproveitar as possíveis maravilhas do reino dos céus.

Não existe discussão mais gostosa do que aquela que não se propõe a chegar a algum lugar. É por isso que é gostoso conversar com a Thaíse. Falamos, discutimos conceitos, problematizamos o mundo todo, mas não resolvemos nada. Talvez papo de artista seja assim: ditado por uma enorme interrogação. É muito triste colocar um ponto final nas coisas. Acaba a escola: choro com a perda dos amigos. Acaba a faculdade: nostalgia. Casamentos, relacionamentos, performances... Tudo dá um sentimento de "e agora, Brasil?". É claro que existe muita coisa que mal esperamos acabar, mas o processo sempre é uma parte importante. Até no sexo. Tenho pena de quem acha que o melhor do sexo é gozar. A própria expectativa já é uma delícia. O primeiro toque. A primeira respiração descompassada. Particularmente, a penetração me traz um pequeno sentimento de perda. Quando se tem alguma experiência ou com o parceiro ou com a sensibilidade do próprio corpo, sabe-se quanto tempo dura a metida. A partir do momento que entra, já se sabe o prazo. Daí é uma bomba relógio. Explodiu, acabou. Ok, cada um fuma seu cigarrinho.

Das várias residências artísticas ocorridas esse ano, me inscrevi em uma e não passei. creio que essa performance é a minha própria residência, que criei só pra mim. 

Odeio chamar pessoas pessoas por apelidos, por mais carinhosos que eles soem. Meu namorado por exemplo, se chama Juliano. Ele adora ser chamado de Ju. Muitas pessoas chamam ele assim. Mas pra mim ele é o Juliano. Porque Juliano significa ter ele por completo. O nome pra mim é ter a pessoa completa, não só a parte fofa. Agora pouco estava conversando com minha melhor amiga, Poliana. Muita gente também a chama de Poli. Quero ela toda. Em contrapartida, adoro quando me chamam de Lipe. Do tipo que vira a barriga pra cima. Mas também me sinto lesado caso alguém que não tenha intimidade me chame por algum apelido. 

Meu namorado escreve bem. Inclusive, o blog dele é http://naofalado.blogspot.com.br/ , caso tenham interesse. Eu reconheço pouco as qualidades dele publicamente. Não sou o melhor dos namorados. Já ele, é quase um tiete enlouquecido por um ídolo. Sabe o tipo de situação que você se sente desmerecedor? Todos falam que isso é fruto de uma baixa auto-estima. Não sei, é antagônico o quanto eu quero as coisas e o quanto não me snto merecedor quando elas surgem. Daí voltamos a culpa.

Sabe quando esses participantes de reality show começam a fazer brincadeiras do tipo apresentar um programa qualquer? Já fiz isso várias vezes aqui. Como falar cansa!

Nós somos únicos. Com sentimentos únicos. Que podem ou não estar dentro de um padrão cultural.

Por favor, me permitam ser cruelmente sincero.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Diário de bordo - Quarto dia (08/04)

Fui dormir quase 5h da manhã com muita raiva e acordei magoado. Por mais que eu me prive do contato com o mundo exterior, ele vem até mim e bate na minha cara.

A ansiedade é tanta que tomei um Rivotril. Impressionante como esse remédio tem a capacidade de me transformar de um hamster louco na rodinha para um zumbi adormecido.

O complexo de falar de si é que em algum momento o assunto esbarra no outro. Se expor significa sempre mostrar um pouco da própria história, que é preenchida por uma infinidade de pessoas que não se sentem a vontade com a exposição. Mês passado por exemplo, participei de uma exposição aqui mesmo na galeria, que tinha como tema o "Autorretrato". Algumas obras minhas diziam mais sobre as pessoas ao meu redor do que sobre um "eu" individualizado. Tem também quem expõe aquilo sobre si que lhe agrada. Já eu, acho que gosto de ficar arrancando as casquinhas das feridas. Nenhuma obra de arte minha que faça eu me sentir pleno é algo simplesmente agradável. Já vivemos nesse mundo do que é estético, agradável, bonito, educado e polido. Minha arte não pode ter essa função. Ela não é apenas a vida bonita. Tem que incomodar a vida. Fazer parar a vida, por alguns instantes ao menos. Arte bonita vira decoração de sala de espera de consultório odontológico. Eu já sou dentista, por que ia querer que um dos meus trabalhos fosse decorado pelo outro? Consultório, sala de espera, coisas chatas. E tem um peso, uma densidade. Pensando nisso, minha pesquisa artística não cabe no consultório.

Existem 40 focos de luz no teto da galeria. Apenas 29 estão funcionando. 11 coisas penduradas, inuteis. 12, se contar comigo. Mas eu não tô no teto.

É dificil encontrar pessoas interessantes. O que é ser interessante? É enxergar a vida de forma diferente? É fazer coisas diferentes? É ouvir música diferente? Ter viajado o mundo? Saber falar 5 línguas, fluentemente? É se trancar na galeria, ficar 7 dias e chamar isso de arte ? Que juízo de valor é esse que privilegia as pessoas pelas oportunidades que elas têm? De estudar, "se esclarecer sobre a vida". Quando buscamos pessoas "interessantes" para nos relacionarmos, parece que estamos sendo tão padronizados. Corpo, cabelo, música, ambições, currículo profissional, salário, pensamento político, gosto alimentício... É fácil querer o semelhante por perto. "hoje vamos no sushi, topa?" "opa, faz dias que espero por isso". Não parece fácil? Gostoso? Mas e quando essas pessoas tem também os seus defeitos? É fácil observar os defeitos dos outros. Quando você nãos os têm. Mas que dolorido é ver que o outro é podre como você, todos no mesmo lugarzinho. É quase como se você sentisse ciúmes daquele defeito: "por que você está usando o MEU defeito? Pare já, me devolva e vá brincar com os seus". Ainda estamos falando da pessoa interessante? Então ela causa raiva? Na verdade acho que ela causa tudo. Acho que a próxima pessoa que entrar aqui, vou perguntar: como é uma pessoa interessante? Espero que seja o pessoal da limpeza.

É "engraçado" tomar Rivotril e vir escrever alucinadamente. A ansiedade inicial se transforma em um canal de palavras. Antes eu estava com dor, aperto, angústia, vontade de sumir. Agora toda essa ansiedade se tornou pensamentos expulsos por uma mão frenética e uma caneta. Parece muito fácil voltar ao estágio inicial. Por isso estou escrevendo sem parar, pois voltar aos pensamentos iniciais faz acelerar o coração, voltar o aperto no peito, desânimo com a vida. 

Certeza que hoje receberei visitas de classes inteiras da escola do SESC. No meu estado, serão pequenas mortes. Educação enquanto forma de relação social é um eufemismo para a mentira. Sem ela, as pessoas não manteriam suas relações superficiais.

Manipular e ser manipulado. É sob essa prática que vivemos. Algumas pessoas tem noção dessa manipulação. Minha mãe acaba de vir me visitar. Menti dizendo que estava tudo ótimo. Era uma vez um pintinho sem cu. Um dia, foi peidar e explodiu. Para outras pessoas, a palavra "manipulação" tem um caráter tão perjorativo. Mas ninguém assume. Dói assumir qualquer coisa. Viver no padrão hipócrita é mais confortável. Procurar aceitar as coisas como elas são parece quase impossível. Como seria possível, se ninguém se conhece? Acho a psicologia problemática. Tudo bem escolhe-se o que resolver, mas se entender totalmente talvez seja o caminho. O caminho que ninguém parece ter visto a placa, durante toda a vida. Me parece é que não tem como sair vivo ou com sanidade mental. O choque pode afetar o coração físico. Machucar a alma. Entupir vasos sanguíneos. Mas é o que eu mais queria na vida. A verdade sobre mim. A verdade sobre o que influenciou a minha formação humana psicológica. eu escolhi a verdade e espero que enlouqueça saudavelmente com ela. O primeiro passo para isso talvez seja eu parar de mentir. Então, o que fazer? Não mentir de agora em diante? Contar mentiras do passado? Terem alguém perto de mim se for muito sincero? Apesar da vontade de exercitar isso, a sociedade não me permite. Por exemplo: eu amo meu namorado. Segundo as regras da sociedade, eu preciso estar com ele sempre que puder. Eu não concordo. Acho que preciso não estar com ele também. Existe uma confusão  de acharem que eu passo dias sem ele, portanto o tempo que tenho é pra aproveitar. Mas nesse tempo que estou sem ele, nem comigo eu estou. Parece que não existe apenas "Filipe". Quando sair daqui, logicamente vou querer vê-lo. Mas também quero term-me. É raro ter-me. E é bom. É necessário. Sinto como se me odiasse por não sair sozinho. Adoro ir ao cinema sozinho. Não é hipócrita. É o tipo de ação totalmente solitária. Daí voltamos para o que a sociedade considera bom ou ruim. Ser solitário apenas é. O juízo colocado é uma imposição social. Meu namorado adora ir à praia aqui em Palmas. Geralmente eu odeio. O que ele gosta de fazer lá é tomar tereré. Uma atividade quase íntima. Isso ao por do sol. Segundo o meu juízo de valor, essa ação, estando sozinho, me parece tão digna e sincera. Linda, etérea. Daí eu venho me perguntar: por que o outro importa tanto? Pior: o outro que importa é o outro desconhecido. 

Tenho medo da palavra "obrigação". Principalmente se ela se referir a mim. Obrigação é o tipo de coisa que não agrada a ninguém. "Ah, mas eu adoro ser útil, servir, blablabla..." Tá! Entre obrigação e diversão... Observe uma atividade divertida se tornar obrigação na vida de uma pessoa. Trabalhar na loja de doces. Nas (quase extintas) locadoras de vídeo. No parque de diversões. Ok você dizer que se diverte no trabalho, mas é nas suas atividades de entretenimento que a vida é mais leve. É assim que eu sinto sendo uma obrigação para alguém. A perda de tudo o que é bom. Apenas um fardo. 

A irresponsabilidade é um conceito totalmente atrelado ao contexto social em que se está sendo usado. Assim como o amor, a lealdade, a verdade. Eu tenho muita raiva desses conceitos na nossa sociedade. Raiva de como eles me afetam. Passamos a vida toda sendo segundo uma linha de pensamento, mas a prática humana sempre nos mostra divergências. E então a gente sofre. Como a gente sofre. A coisa é tão absurda que apenas bate a vontade de esperar a vida passar como uma velhinha, vendo a vida passar através da janela. E esperar que na próxima vida (torcendo muito que essa crença seja verdade) a sociedade esteja menos hipócrita. E eu próprio  possa ser criado sem toda a hipocrisia que me circula e me define.

Releio o que escrevo e percebo como minha escrita é problemática. Dificuldade em me expressar falando, escrevendo, cantando, criando arte. Talvez a graça disso tudo é a falha. Existe o pensamento de que a falha te faz melhorar. Mas e quando ela é o ponto final? Sem esse papo xuxesco de que tudo pode ser, basta acreditar. Algumas pessoas simplesmente não nascem para determinadas coisas. Podem até tentar desenvolver, mas tudo se torna técnica fria. Será que o orgânico (contrário a essa técnica) realmente existe? Ou somos todos pequenos (ou grandes) depósitos de informação? Animais treinados para X ou Y função. É triste pensar no homem assim. Seres desprovidos de subjetividade, coisa inventada por gente maluca e sem propósito que acabou  jogando sua teoria no ramo da abstração. Será que somos assim tão primitivos? Em uma realidade de apenas ação e nenhum sentimento? 

Acho que preciso de mais Rivotril.

Perdão é uma coisa absurda. De acordo com a ideia estabelecida, é como  esquecer uma falha alheia. A não ser por alguma deficiência física que afete a memória, ninguém anda esquecendo a cagada que te fizeram. É aquele velho papo de que até uma piscada altera todo o universo. Um erro alheio altera e reorganiza toda uma relação. O estar ou não arrependido, o nível do erro, a forma como o lesado se relaciona com a situação. Então o perdão parece ser uma utopia judaico-cristã. Daí também nos deparamos com o que é o erro. Talvez acerto/erro seja um pensamento arcaico. Talvez pensar no que afeta positivamente ou negativamente. Porque, em comunidade, tudo afeta, muda-se apenas a importância desse afetar. Eu, particularmente, sou muito mais sensível ao afetar negativamente. Sim, é triste, mas é a minha realidade. Talvez as experiências negativas tenham ditado as regras da minha formação.

Sair da galeria sempre me parece uma atitude errada. Mesmo sabendo que estou com com necessidade de ir ao banheiro, tomar banho e coisas do gênero. A culpa parece ser um regulador. Não que necessitemos desse tipo de regulação. Mas ela gera ansiedade. Um mal generalizado. Enfim...

Com toda essa ansiedade gerada e quase nenhuma válvula de escape, acabei por começar a interferir nos objetos, algumas experimentações, que acabaram por refletir o meu ânimo. 

Dez páginas escritas até agora.

Eu nunca escrevi tanta idiotice de uma vez só.

Diário de bordo - Terceiro dia (07/04)

Pseudoacordei, vi que minha transmissão tinha caído. Mas poxa, nem tinha acordado direito, não ia levantar pra retransmitir apenas. Dormi de novo. Acordo, sei lá quanto tempo depois. Pegaram meu computador. Furtaram meu computador. É a primeira vez, desde o ocorrido, que eu utilizo essas palavras, pois não consigo e acho que não quero acreditar. Agora estão analisando as gravações das câmeras, e eu estou aqui, apenas esperando o milagre de se descobrir quem foi. E de tê-lo de volta, é claro. 

Minha mente começa a criar cenas desagradáveis sobre uma hipotética culpabilização do outro para comigo sobre o acontecido, o que é absurdo. Acho que tendo a sempre esperar o pior das pessoas.

Eu demonstro ser a pessoa mais controlada do mundo, segundo as pessoas. Ontem me falaram que ansiedade parece ser algo que não me afeta. Essa pessoa não tem noção do quanto ela está enganada. Internalizar parece ser a coisa mais prejudicial. Ao mesmo tempo em que guardar tudo pra mim me torna uma bomba, acabo enganando as pessoas sobre o meu real estado emocional. Agora, por exemplo: estou aparentando uma total calma, mas por dentro estou pirando. 

O serviço de segurança do SESC me informou que viram as gravações das câmeras. Um homem entrou no SESC afirmando vir participar de uma oficina, entrou na galeria enquanto eu dormia e pegou o computador.

Para não surtar, estou focando no fato de que terei um computador novo.

A ausência física de um aparato tecnológico (o meu computador, no caso) torna minha estadia aqui na galeria mais difícil do que nunca. O simples fato de olhar para um objeto que me é familiar e tecnológico me mantinha "sóbrio". Nesse momento me sinto tenso, ansioso, minhas dores pelo corpo parecem ter se propagado.

Como forma de resistir a incapacidade de sair, meu organismo tem me boicotado, me fazendo sentir muita sede, consequentemente me fazendo precisar ir ao banheiro.

Me trouxeram um novo computador. Nele eu não sei como gravar vídeos, o que vai comprometer os que tenho que postar no youtube.

Estou começando a ficar ansioso sobre o que fazer com o material.

Nos dias anteriores ao início da performance, criou-se um código entre os meus amigos de falar que eu ficaria "internado" no SESC. Daí que agora estou com a garganta inflamada, com febre e dores pelo corpo. Estou realmente internado.

Minha melhor amiga entrou no chat da transmissão ao vivo. Bateu saudades. Ela mora em Araguaína, mas logo vai se mudar para São Paulo. Hoje também, conversando sobre animais, me bateu saudades da minha cadelinha. De como ela tem se tornado carente desdes que adotei dois filhotes de gato.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Diário de bordo - Segundo dia (06/04)

Muita dor de garganta. Vou falar o óbvio: minha ansiedade  me mata aos poucos. É a única explicação pra tudo o que eu estou sentindo agora. Dor de cabeça. Dor na maxila. Dor na região lombar. Dor nos ombros. Acordei apertando a mandíbula mais do que nunca. Minha garganta parece que foi tensionada até o limite. O colchão nem é desconfortável. Eu que sei me colocar desconfortável no mundo. Agora mesmo estou com as pernas cruzadas de uma forma que aperto tanto que parece que quero deslocar a tíbia/fíbula do fêmur. É quase hora do almoço e o que eu quero é um remédio forte. Isso porque, nesse momento, só se passaram 18h. Como é "sofrido" ser um Y, rs.

Pensando a respeito, descobri que meus números preferidos são 7, 13 e 1. 

Acho que o faniquito de poder acessar tudo o que eu quiser está começando a se estabelecer.

Preconceito é foda, né? A pessoa entra com toda boa vontade do mundo na galeria e eu já imagino que ela esteja me julgando. E o julgamento que eu faço? Só porque a pessoa aparenta ser pobre (odeio o eufemismo de usar Humilde) já se cria a imagem do ignorante e incapaz de ter uma experiência pessoal com a obra.

Estou com uma música da Sandy com a Família Lima na cabeça, não sei o porquê. A parte que martela na minha cabeça é a frase "vem de deus a punição...". Começou enquanto eu tomava banho. Na água gelada. Vai ver é isso que eu encaro como punição. Ou saber uma música da Sandy com a Família Lima.

Acabo de ganhar uma cerveja! A pessoa que me deu ainda fez um ar de anjo descendo do céu e entregando um prêmio celestial, tipo aquela tirinha que foi moda no facebook uns dias atrás.

Sabe quando você sente fome minutos antes do almoço ficar pronto, mas fica em dúvida se aguenta ou não esperar, ao mesmo tempo em que fica com medo de comer algo e perder a fome? Estou mais ou menos nessa situação: esperando trazerem meu jantar, que está atrasado mais ou menos 1h. Tenho coisinhas aqui para comer, mas e o medo de perder a fome? O jeito é esperar e esperar que não demore.

Acho que de tanto as pessoas me perguntarem como é passar a noite aqui, estou começando a ficar ansioso com a hora de dormir. O que  é quase sem propósito, já que  passei uma noite aqui e foi tranquilo.

Segunda noite na galeria: FANIQUITO!