Contando pelo número de horas aqui dentro, ainda estou no 6º dia. Logo na segunda linha já começo a escrever torto. Ansiedade. Tudo hoje vai ser desculpa pra ansiedade. Estou com medo desse dia.
É horrível passar o dia com uma câmera que mostra sua cara o tempo todo. Todos as caretas, trejeitos, olhares, espirros, jeito de andar, de comer, de falar com o corpo. Pouco sabemos sobre como o corpo se porta, que capacidades ele tem. Que fragilidades. É cansativo olhar-se.
Nenhuma verdade deveria ser considerada absoluta. Vejamos como verdades absolutas são pontos finais que fazem das pessoas verdadeiros soldados em guerra, defensores de uma teoria, de forma a desrespeitar a crença alheia. Bíblia, ciência, metafísica em geral. Cada uma com sua forma de se estabelecer enquanto verdade e desrespeitando grosseiramente as outras verdades. Situação micro: duas pessoas detentoras da verdade. Sem criarem espaço para que a verdade alheia se torne meramente discutível e a sua seja questionável. Vejo no que a minha geração se tornou, pessoas totalmente intolerantes. Preconceitos com roupa, cabelo, gosto musical, pobreza, sexismo, homofobia, tudo sendo analisado com critérios saídos diretamente do seu umbigo. Já faz algum tempo que percebo isso e juro, tento não ser igual. Algumas pessoas apenas não tem a chance de sair do pequeno planeta. Outras não, são pequenos príncipes que não pegam o rabo do cometa para ampliar seu mundo, a rosa já está suficiente. Mas provavelmente esse assunto tenha várias outras camadas, que não estão ao meu alcance intelectual discutir.
Vou voltar a falar do assunto anterior. É uma coisa que me irrita muito. Em tempos de tanta pluralidade cultural e liberdade, vem uma leva de tonta ditar regras? Em tempos de discussão sobre bullying, o que essas pessoas fazem é apenas perpetuá-lo. Bem aquela coisa da pedagogia do oprimido, pessoas antes vítimas de opressão se sentindo no direito de oprimir.
Ler tudo isso deve dar a impressão de que sou um cabeção ou apenas um noiado. Talvez todas as reflexões aqui escritas sejam frutos apenas do tempo que tenho para refletir. Ao contrário do que parece para quem me lê, refletir sobre a minha vida sempre foi um ato raro. A falta de tempo e de disposição, principalmente. Como é fácil assumir o tal do controle da e vida e colocar no canal "Tá tudo bem agora". Só olhamos para um espelho quando queremos ou nos tornar mais apresentáveis ou para admirar o nosso bem estar estético. Sim, para ver que estamos lindos. Espelho não é pra ver feiura. E é difícil olhar para o que é feio em si. Pernas finas? Calças compridas. Rosto manchado? Maquiagem. Barriguinha? Modelador corporal. Sempre cobrindo e fingindo que não existe. E quando o "defeito" é interno? Se descobrir a pessoa mais egoísta do mundo. Não saber olhar para o outro e ter empatia. Felicidade ser um sentimento que parece se referir ao próprio umbigo. Ser tão mimado ao ponto de passar um bocado da fase da infância e mesmo assim se comportar como uma criança de 3 anos que não sabe ouvir um não. E isso sou eu. É você. É um modo de vida que tem se estabelecido culturalmente.
Escrevi o projeto dessa performance há vários meses. Muitos pensamentos e expectativas sobre ela foram engolidos pela enorme quantidade de ações do cotidiano. Uma em especial perdurou. Para entender melhor do que estou falando, talvez seria melhor ler o protocolo da performance, caso não tenha lido (que se encontra no enorme adesivo de parede acima do livro de assinaturas, caso esteja lendo isso no próprio caderno; na primeira postagem, caso esteja lendo no blog). Eis a lembrança. Pensava eu que, ao receber objetos/materiais das pessoas, iria olhar, olhar e olhar para aquilo tudo, entrar em pânico e não fazer nada. Faria apenas uma bagunça de coisas no chão, de forma totalmente aleatória e, por fim, perpetuaria os preconceitos sobre o trabalho do Allan Kaprow, usando como referência para algo que seria um mero acaso de objetos agrupados. Hoje sinto que o meu trabalho aqui seja resultado de um mergulho em mim. Ontem me pediram para resumir em uma palavra a experiência. Falei: autoconhecimento. Assim, bem BBB. Clichêzão. Não que agora eu saiba tudo sobre mim, creio estar bem claro quanta confusão tem se instaurado na minha cabeça desde que entrei nessa. Talvez o autoconhecimento seja um pequeno esclarecimento sobre o quão confuso se pode ser. Parar a própria vida, indo em direção ao ócio quase que completo acaba por te obrigar a conviver consigo. Como disse em alguma das páginas anteriores, é difícil ficar a sós e em convivência consigo mesmo. Estar sozinho não é suficiente. Precisamos querer ter esse diálogo. E, talvez o mais importante, sermos sinceros. Mentir para si mesmo parece ser uma prática diária. Como é bem aceita a mentira para si. E assim vamos nos distanciando dos próprios pensamentos, sentimentos, vontades, desgostos. Por isso acho que não sei quem sou. É tanta mentira que se transforma em verdade que me perdi da verdade primária. É claro que isso é condicionado por uma situação cultural, blábláblá, todo um papo antropológico que, apesar de ser muito pertinente, não vai ser discutido aqui.
O dia não passa. As horas não passam. Uma angústia...
Estou buscando frases escritas aqui para compor a instalação. Algumas gritam para serem usadas.
"Bem depressivo esse trabalho, né?", disse o mocinho que veio me visitar. Falar de si pode ser bem deprimente.
Fiz muita coisa hoje na galeria, passei muito tempo longe desse caderninho. Até criei a ilusão de que não tinha escrito quase nada durante todo o dia.
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